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importantíssimo, viu?

por Victor Prado
victor prado

importantíssimo, viu?

importantíssimo, veja

enquanto as lágrimas lavam meu rosto
eu seguro a voz familiar bem junto do ouvido
e os evangélicos assistem distantes na espera do ônibus
a minha metafísica se evidenciar na calçada

importantíssimo, veja

enquanto eu choro ao vivo da calçada
passam carros motos cachorros gatos
passam crianças adultos jovens velhos
passam os espíritos e o passado inteiro

importantíssimo, veja

só posso contigo esguelhar
só confio minha feiura a ti que
a inventou em ti e a mim presenteou
filho que recebe o que as mãos abertas oferecem

importantíssimo, veja

tenho raiva, enquanto soluço sentado aqui
entre cimento e asfalto
tenho raiva e medo, enquanto te ouço chorar
entre a mão e o ouvido
tenho raiva e medo e esperança,
por enquanto

tenho raiva e também desconheço

importantíssimo, veja

é que cheguei nessa situação estranha
numa noite só mais uma
e o desentendimento que aparece no corpo
me leva pra rua, me põe frágil –
com meus ossos tão sentimentais, sem álcool
sem trilha sonora triste sem palavras inocentes
sem doces sem velas sem palmas
– na escuridão, mas estou de roupa

importantíssimo, veja

disfarço e caio no disfarce
é uma escolha disfarçar
e respeito as escolhas
mesmo que nem sempre

importantíssimo, veja

quando eu disse o amor pela primeira vez?
quando foi a primeira vez que eu disse o amor
e menti?
quando foi que percebi?

Importantíssimo, veja

confundo a ordem das lembranças
e a hierarquia das emoções
meu corpo é indisciplinado
mas ainda te amo

importantíssimo, veja

ainda confundo a ordem das lembranças
e a hierarquia das emoções
meu corpo continua indisciplinado
mas agora me amo


apenas o necessário

acalmo o meu desespero
agora, que a morte me deixou,
porque aquele que empresta
ainda não me cobra o preço fatal,

mas acordo o meu amor
durante a tarde, com vigor,

porque ainda ontem
quase morri pelos pés
apressados no asfalto quente

ontem, me quiseram vivo e
soube no susto qual a taxa
de absorção de impacto
do alumínio no vidro &

mesmo intacta, a minha carne
adoecia de angústia a manhã &

mesmo intacta, a minha carne
amolava o fio de corte do destino

agora, lúcido como alguém
que se afoga no seco,
sinto que atravesso a ressaca
com soluços
pelo secreto desejo de viver
pelo secreto desejo de morrer
apenas o necessário


agora, só amanhã

fumo muito. revejo. quando abro a porta do banheiro e entro acelerado, uma lagartixa se assusta. ela disfarça muito mal. o horário de almoço vai chegando ao fim. fumo mais. alguém entra apressado pela porta da antessala, eu me assusto. os olhos rápidos já retornam pro “amor dos homens avulsos” que leio no kindle. ‘foi imperceptível’ – quase acredito nisso. penso que eu seria uma lagartixa com maiores chances de sobrevivência no mundo dos homens. penso que, talvez, no mundo dos homens, eu não seja um homem com maiores chances de sobrevivência. o mais pobre entre os ricos e o mais rico entre os pobres. tomo um pouco de café, me mantenho firme nessa rotina social que me coloca lado a lado com tantos/as outros e outras. que nos iguala dentro do orgulho de um vício dentre tanta vergonha de outros – às vezes, mais prazerosos, às vezes, por isso também, mais íntimos. alguém deve dizer: mas o que seria um homem, senão a soma de seus vícios? digo, um homem qualquer, é claro. uma mulher, então, o que seria? e, ainda, um/a trans? então? o que seria esse bicho que não desmama nunca, que é incapaz de enxergar, senão aquilo que inventa? ou, ainda, como pode acontecer tudo que acontece? como podemos acontecer?… um passo, outro passo. paro, meu celular vibra: ‘você escutou? escutou? me avisa, pfvr’. ainda não… ainda não… mas isso não se diz às pessoas. menos ainda a alguém que não é tão próximo ou que não valha 1h30 de bunda suando pelos bairros da Linha Leste-Centro-Sul, sentada num banco azul encardido ou em pé entre adultos, crianças, idosas. entre o cansaço e o seu cheiro. não, isso não se diz. ‘oi, dsclp, ainda n ouvi. aq no trabalho n dá pra escutar áudio. ms hr q eu sair daqui já vejo isso e t aviso’. 7 horas depois, terei ouvido a msg. 7h30 depois, a terei respondido. fumo novamente. agora, só amanhã.


a desvantagem também

uma água profunda me abraçava
eu não sabia
o meu corpo
o meu medo
através do escuro
que por dentro me impunha
o espaço todo ocupado
pela ausência

eu não sabia

é quando acaba que choramos?
é quando mesmo?

eu não sabia

agora
as migalhas à correnteza
transformam coragem em perdição

a vantagem de ter muito fôlego
é a confiança em ir mais fundo
sem se observar o retorno


Victor Prado é leitor, escritor, diagramador e editor. Publicou Bastardo (Editora Urutau, 2016) e um nome inabitável (Artefato Edições, 2017).

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